segunda-feira, janeiro 09, 2012

Série Katie - Capítulo 1

Capítulo 1

Katie segurou a saia de seu longo vestido de dama de honra e empolgada, traçou
seu caminho até a aglomeração de convidadas do casamento:

- Desculpe. Vim cumprir um dever. Mulher em uma missão aqui. Abram espaço.

A maioria dos convidados conhecia Katie e encarava com bom humor seus comentários.
Katie se plantou bem na frente e no centro. Pôs-se em posição do
interceptador da bola e discretamente, antes de ajeitar o cabelo vermelho berrante
atrás da orelha, gritou:

- Aqui Cris! Já estou pronta.

Outra jovem também chegou mais perto e gritou suas próprias direções para a
noiva:

- Nada de favorito, hein, Cris!
- Estou exatamente aqui na sua esquerda. Joga pra mim, na esquerda!
- Não, joga pra mim, Cris! Pra mim! Aqui!

A noiva mantinha-se de costas para todas as convidadas, já que sua
super-eficiente tia agitava-se para ajustar a posição de Cris, para que seu perfil
estivesse perfeito para as lentes do fotógrafo.

-Mantenha os ombros para trás Cris, querida - Tia Marta advertia - Agora vire o
queixo um pouquinho para a direita. Não, nem tanto. Volte... Isso. Assim.

O flash da câmera capturou a pose de Cris antes mesmo que a noiva pudesse
respirar ou piscar.
Outro flash surgiu, agora na direção de Katie e as outras impacientes convidadas.
Katie era um pouco mais alta do que a maioria das garotas que estavam
aglomeradas ao seu lado. Isso fazia com que a competição não parecesse tão
desafiadora.

- Dama de Honra aqui! Katie gritou. Siga o som da minha voz, Cris!

Lá do outro lado veio uma voz profunda.

- Joga alto!

Katie conhecia aquela voz. Era a voz do Rick Doyle, seu “quase” namorado. Rick
estava junto do restante dos padrinhos do noivo, na beira do gramado. Os outros
rapazes, todos surfistas de nascença, já tinham tirado suas longas gravatas há
uma hora atrás, antes mesmo de o brinde ser oferecido. Eles estavam prontos
para curtir confortavelmente a tarde quente do sul da Califórnia.
Rick era o único que mantinha o estilo “pronto para a câmera”, como dizia a Tia Marta.
Ela estava satisfeitíssima com Rick, mas irritadíssima com os outros, inclusive com o
noivo, Ted, que tinha arrancado o paletó logo depois que ele e Cris cortaram o
bolo.
Alto, e de olhos castanhos Rick posicionou as mãos em forma de copo, em frente
a sua boca, e gritou de novo:

- Joga alto, Cris!

"Por que ele está falando isso? Eu estou logo aqui na frente." Katie virou a cabeça
para trás para ver se Rick estava olhando para alguém que estivesse na fileira de
atrás das ansiosas caçadoras de bouquet. Mas antes que ela pudesse localizar
alguém em particular, algo perfumado bateu do lado esquerdo de sua cabeça.
Todas as mulheres em volta gritaram.
Katie flexionou seu braço esquerdo e puxou o objeto voador pro seu lado. Mas
outra jovem, na tentativa de seu próprio alcance pelas flores, bateu com
força em Katie.

- Ei! - Katie começou a tombar, mas viu que o bouquet estava prestes a ser
agarrado.

Outra jovem balançou seu braço para frente e sem calcular seus
movimentos, lançou o maço de volta pro ar. O bouquet estava de volta ao jogo!
Lá do outro lado, os rapazes gritavam. De dentro do amontoado de mulheres
histéricas, os berros aumentavam. De repente, todos os braços voltaram para o
ar.
O bouquet fugitivo parecia estar se divertindo com o seu momento de vôo e só
pararia nas mãos de uma única convidada ansiosa, que golpearia as flores como
se elas fizessem parte de uma caça a passarinhos. Em meio a pulos e saltos, a
travessa bola branca lançou uma única rosa para uma mulher de braços longos
antes que Katie pudesse saltar pra frente e agarrar o bouquet. Viva o bouquet!
A garota alta do lado de Katie vacilou com a solitária rosa nas mãos. E então
Katie levantou seu braço e deixou sua empolgação ser ouvida por toda a
campina.

- Peguei!
- Eu quase peguei - murmurou a mulher com o solitário botão de rosa.

Cris, que já tinha se virado para assistir ao “show” momentâneo, deu uma risada
quando viu onde o bouquet parou.
Katie imitou a expressão alegre de sua melhor amiga. Esse era o momento com
que ambas haviam esperado durante anos. Muitos anos. As duas sabiam que Cris
seria a primeira a se casar. A corajosa Katie sempre persistia em dizer que o
noivo de Cris seria Ted, mesmo durante aquelas épocas em que Cris tinha lá suas
dúvidas. Para incentivar os segredos de Cris durante aqueles duvidosos, mas sonhadores
momentos, Katie foi uma das melhores animadoras, “Só me prometa que você vai jogar
o bouquet pra mim.” Aquele pensamento sempre as fazia rir uma da outra, da mesma
forma que estavam fazendo agora.
Missão cumprida.
Dando uma rodada de triunfo, Katie deu de cara com Rick a observando. Pra
quem quer que tenha sido aquele comentário “joga alto”, agora não importava
mais. Rick estava a encarando com aqueles olhos castanhos-chocolates, e ela
parecia estar se derretendo por dentro, como se essa fosse sua primeira
paixonite por Rick na escola.

- Olhe pra cá, por favor, disse o fotógrafo.

Katie levantou a cabeça e mostrou a ele seu maior sorriso.

- Mais uma. Agora menos forçado!

Levando a fragrância do bouquet branco da gardênia até o nariz, Katie mergulhou o
queixo e inspirou lentamente o aroma doce e puro das flores. Então é esse o cheiro de
estar casada.
O fotógrafo capturou a pose, reajustou o ângulo da câmera e tirou outra.

- Ótimo, obrigado.

Katie olhou de volta, pronta para dar uma piscada com seu brilhante e
esverdeado olhar cheio de charme na direção de Rick, mas seu sorriso se desfez.
Rick não estava mais a observando. Ele estava dando atenção ao grupo de
rapazes solteiros prontos para capturar a liga.*

*(Liga – tira elástica que segura as meias. Assim como as mulheres solteiras ficam ansiosas para agarrar o
bouquet da noiva, nos Estados Unidos, os homens solteiros apanham a liga que é jogada pelo noivo.)


Katie caminhou vagarosamente para o lado para se juntar ao grupo de
espectadores enquanto tirava o cabelo da testa. Era estranho estar tão bem
vestida e ter uma foto sua capturada. Mas, até que essa experiência estranha foi
agradável. As seleções de estilo pessoal de Katie foram por um longo tempo na
área do jeans e camiseta ou blusa de moletom. Durante o ano passado, então,
ela lançou uma chamada “Versão-Katie” atualizada. Ela começou com um corte
de cabelo que deu a sua juba vermelho-berrante um ar mais sofisticado, num
estilo "fácil-de-lavar-e-sair".
Então ela adicionou umas saias mais coloridas ao seu guarda-roupa e foi à
procura de modelos mais femininos e confortáveis. Essa roupa de dama de honra
estava bem além da forma como ela costumava se vestir, mas Katie gostou do
jeito com que isso a fez se sentir mais sofisticada.
Um rapaz que usava roupas casuais e uma barbicha-de-bode e óculos escuros
retangulares inclinou-se na direção de Katie que estava parada ao lado do grupo
de rapazes. E sem olhar para ela disse baixinho:

- A presilha ta escorregando.

Katie virou seu olhar para o sol da tarde e piscou pra ele. Mesmo sem ter muita
certeza se o comentário dele tinha sido realmente para ela ou não. O rapaz
continuava olhando para frente. Ele não repetiu o comentário nem olhou de volta
para ela. Atrás da orelha esquerda dele, ela viu uma fina e branca cicatriz na
forma de um “L”.
Katie ignorou o rapaz e voltou sua atenção ao grupo de rapazes que agora
estavam importunando Ted, o adorável noivo. Ele tinha posicionado a liga de Cris
entre os dois dedos polegares na posição de projétil e malandramente mirou para
trás de si próprio. Se ele soltasse agora, a liga iria desordenadamente atingir
algum lugar no alto das palmeiras que se encurvavam para a festa de casamento,
assim como as girafas fazem para alimentar seus filhotes.
Um dos rapazes gritou:

- Ei, direção errada, cara.

Douglas, o único padrinho do grupo que era casado, parou ao lado de Ted e virou
seu corpo de forma que ele encarasse o grupo.

- Só mire nessa direção geral. Daí, isso vai voar loucamente. Desse jeito, você
não precisará ficar de costas para eles.

Ted parecia que estava se divertindo com isso, do mesmo jeito que pareceu ter
adorado a cerimônia de casamento e a tranqüila recepção. Katie sabia que
apesar de todo o esforço que foi feito entre o casal, seus pais, e sua ansiosa e
perfeccionista Tia Marta durante o planejamento deste dia, parecia mesmo que
tudo tinha se tornado um momento super especial para Ted e Cris.
O casamento e a recepção tiveram apenas leves toques da influencia de Marta; a
maioria do dia tinha sido planejada por Ted e Cris. Katie estava super feliz por
seus amigos.
Os rapazes pararam com suas posturas relaxadas na direção de Ted, era
perceptível pela expressão de seus rostos que eles estavam calmos demais para
disputar a liga. Katie conhecia aquele grupo bem o suficiente para saber que eles
iam entrar em ação a partir do momento que Ted lançasse a liga.
E realmente. Ted levantou o queixo, e no comando de Douglas, ele lançou a faixa
elástica de renda branca no meio do “muito-calmo” grupo de rapazes. E ai,
bagunça total.
Katie notou que Rick foi um dos poucos rapazes que não entrou em ação. A liga
deu voltas próximo ao rapaz de barbicha que estava perto de Katie. Mas antes
que ele pudesse agarrar o frágil flutuante pedaço de renda, outra mão
surgiu e agarrou o prêmio.
Os ombros de Katie deram um solavanco involuntário quando ela viu quem pegou
a liga. David, o pequeno idiota. O irmão de Cris de 15 anos de idade começou a
fazer a dança da vitória. Infelizmente, aquela dança era estranha demais para os
pés imensos do David, tornando penoso demais para Katie assisti-lo. Ela se virou
para o outro lado da multidão onde Rick estava parado. Ele estava conversando
com o pai de Ted.

-Excelente resgate na caça ao bouquet hein, Katie.

O pai de Ted apontou com seu copo de plástico em sua direção e adicionou: Corra atrás do que deseja.

- Obrigada. Virando para Rick, ela disse: Acho que não vi você fazendo nenhum
esforço heróico para agarrar a liga lá, Doyle.

Rick deu uma risada forçada e balançou os ombros.

- Não veio na minha direção.

Essa é a tal frase “Filosofia-de-vida” do Rick Doyle. Nos últimos seis meses Katie
tinha visto Rick passar por dúzias de situações extremamente desafiadoras sem
agir com a mesma agressividade que ele demonstrava durante seus anos do
segundo grau. Ele amadureceu. Talvez até demais.
Ela deu uma longa olhada em Rick. Aquele era o seu amigo. De acordo com a
última conversa que tiveram sobre a evolução de seu relacionamento, seu
“quase” namorado. Eles estiveram perto um do outro todos os dias durante os
últimos sete meses, e ela sentia que já não sabia mais quem ele era ou o que ele
estava pensando.
De uma coisa ela tinha certeza: Ela queria ser a namorada do Rick. Ela estava
feliz por ter “ido nessa direção” na noite em que Ted pediu a Cris em casamento
na lanchonete “Ninho da Pomba”. Rick era o gerente do “Ninho da Pomba”, e
apesar deles já terem se conhecido desde a escola, seus caminhos não tinham se
cruzado durante anos.

Depois de terem se reencontrado naquela noite, Katie e Rick começaram um
relacionamento fixo. Num ritmo equilibrado. Ela até conseguiu um emprego no
“Ninho da Pomba”. Os últimos seis meses foram os mais estáveis trechos da nova
vida adulta de Katie, e ela não queria que isso mudasse. Tudo que ela queria era
um titulo mais preciso para o relacionamento deles. Ela queria que fossem logo
intitulados “namorado” e “namorada”.

- Katie! - Chamou a Tia de Cris de lá da treliça do casamento.

David já estava em posição, segurando a liga. O fotógrafo estava checando a
intensidade da luz com o seu medidor.

- Você está sendo intimada - disse o pai de Ted.
- É, estou mesmo. Você quer vir comigo? Ela agarrou o braço do Rick.
- Vá em frente. Eu disse ao Douglas que iria ajudá-lo com um... É... Pequeno
projeto.
- Vocês, rapazes, não vão aprontar com o carro de Ted e Cris, vão?

Rick apenas riu.
O pai de Ted foi saindo.

- Eu não ouvi nada. Estou fora do que quer que vocês, rapazes estejam
planejando.
- Rick, Cris não quer que vocês façam nada com o carro deles. Você e o Douglas
sabem disso, né?!
- Katie!- A voz de David os interrompeu - Tia Marta disse para você andar logo.
- Prometa-me que não vai fazer nada com o carro deles, Rick. Eu sou a dama de
honra. Tenho que proteger Cris. Me ajuda nisso. Por favor, não...
- É melhor ir - Rick apontou para a direção de Tia Marta e o fotógrafo. Aliás, suas
flores estão tortas.

Ela partiu em direção a treliça, olhando para o bouquet que estava em suas
mãos. O que ele quis dizer com “suas flores estão tortas”? Elas estão apenas
fazendo o balanço delas. Estão só um pouco espalhadas, e, talvez, faltando um
botão de rosa.

- Pelo amor de Deus, Katie, está tudo torto - Tia Marta chegou perto e deu uma
puxada para o lado no enfeite de cabelo que Katie estava usando na cabeça
como uma coroa, que fazia parte do figurino de dama de honra.

De repente, o comentário que o rapaz com barbicha-de-bode fez sentido, assim
como o comentário do Rick também. A presilha dela tinha escorregado. Katie fez
seus próprios ajustes com os dois grampos de cabelo depois que Marta terminou o
seu “ataque”. Com o cabelo arrumado de novo, ela perguntou:

- Está melhor?
- Vai ficar. Marta foi para o outro lado e estalou os dedos, como se estivesse
encarregada de dar as ordens para o fotógrafo.

David chegou mais perto de Katie e colocou seu braço em volta dos ombros dela.

- O que está fazendo? Katie disse.
- Posando para a foto.

Ela se balançou pra fora do braço pesado dele.

- Apenas sorria, David. Isso é tudo o que você precisa fazer. Sorrir. Desse jeito.

Katie deu um largo sorriso de “giz” para o fotógrafo. O fotógrafo olhou por cima
das lentes de trás da câmera.

- Um pouco menos exuberante, se você não se importar. - Ele capturou a pose e
disse
- Agora uma pose casual.

David esticou o braço na direção de Katie. O odor do suor de adolescente era
forte o suficiente para fazer as flores do bouquet murcharem.

- Estou te avisando, David, tire suas patas de mim.

As palavras de Katie escaparam por entre seu sorriso. David abaixou o braço.

-Isso! - O fotógrafo fez um aceno com a cabeça e saiu com a câmera.

Katie soltou um “Obrigada” e notou que o rapaz da barbicha-de-bode estava
parado no final da fileira de cadeiras perto de Trícia, a outra dama de honra.

Trícia era casada com Douglas, e os dois estavam esperando seu primeiro bebê
em pouco menos de um mês.

- Ted e Cris estão prontos para sair? - Katie gritou por entre as fileiras de cadeiras
vazias.

Trícia confirmou com um aceno de cabeça, suas mãos envolviam o topo de sua
barriga redonda.

- Eu vim te chamar. Eles estão na capela assinando a certidão de casamento. Eles
precisam que você assine como testemunha.

Katie se apressou para atravessar o gramado em direção à pequena capela de
oração localizada na extremidade da universidade. A capela era um dos tesouros
favoritos de Katie no campus do Rancho Corona. A campina gramada no fim da
alta planície que cercava o campus, geralmente era usada apenas como caminho
para um longo passeio. Fazer o casamento ao ar livre nesse grandioso espaço
tinha sido idéia do Ted, e foi uma ótima idéia. Sem dúvida a campina, a partir de
agora, passará a ser um local freqüentemente requisitado por outros estudantes
do Rancho Corona para a realização de casamentos.

Pegando um atalho por entre as palmeiras, Katie se surpreendeu com o vislumbre
brilho do sol que de longe, refletia dentro do brumoso campo azul do Oceano
Pacifico. O ar já estava ficando fresco.
Profundamente, a camada atmosférica de pêssego com as sombras da primavera
sugeria um toque de glória na paisagem do pôr do sol.

Katie sorriu. Ela achou fácil acreditar que Deus estava incrementando Seu toque
festivo ao final do dia perfeito de Cris e Ted. Num sussurro, Katie disse: O Senhor
irá abençoá-los, Deus Pai? Abençoe todos os anos que eles irão viver. O Senhor
tem sido tão bom para eles.

Com um nó na garganta, ela adicionou: Eu não sei o que exatamente o Senhor
tem em mente para mim a partir de agora, mas o Senhor irá me abençoar
também? Se Rick não for o cara certo para mim, me faça perceber isso logo. Eu
não quero tentar me convencer que ser a namorada do Rick é uma de suas
“Coisas de Deus” se isso for apenas uma “Coisa da Katie”.

Chegando à capela, Katie parou, e antes de abrir a porta adicionou um “PS” em
sua oração: Se o Senhor não quer que eu e o Rick caminhemos mais adiante em
nosso relacionamento, faça com que nós terminemos. Essa dúvida de ser a
“quase” namorada dele está me matando. Principalmente hoje.

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